sexta-feira, dezembro 21, 2018

O Natal dos anos 50/60 na minha Beira mais alta!

A nossa terra d'Algodres, com a excepção de uma trintena de famílias "nobres" e outras quantas com prosápia de nobreza, que eram quem possuía a grande maioria da terra, (a riqueza ainda em meados do século passado) era povoada na maioria por gente remediada que se entreajudava e uma minoria de pobres, que trabalhavam "ao dia" mas nunca tão miseráveis, como se podia ainda ver por exemplo no Alentejo, por essas alturas!
No entanto a maioria embora normalmente, não passasse fome, vivia com poucos recursos,  pelo que até o Natal embora festivo era comedido.
Nessa altura de que ainda tenho boa lembrança, não havia pinheiro de Natal e muito menos Pai Natal e era o menino Jesus, que nos dava as parcas prendas, muitas vezes umas meias ou peúgas!
Também era costume (pelo menos na minha aldeia) fazem-se pequenas ofertas ao Menino,  que eram levadas para a missa de Natal pelas crianças e que depois no final da missa, eram leiloadas (eram chouriças, filhós ou filhózes,  garrafas ou botelhas de vinho etc.).
Fez-me isto lembrar, que um ano em que me calhou levar uma botelha de vinho pendurada numa vara, e eu que sempre fui um pouco desastrado, caí no corredor da igreja, tendo na queda partido a "botelha" e entornado todo vinho na igreja!
A alegria das crianças e até dos adultos, era a construção do presépio, para o que todos queríamos contribuir, quer seja com musgo,  areia, pedras e pequenos arbustos e pinheiros etc.
O presépio tinha imagens muito bonitas, mas já antigas e delapidadas, algumas já com as cabeças partidas que essa altura eram coladas com cera derretida.
Lembro-me que um ano trocaram as cabeças de dois pastores, tendo um ficado com dois chapéus, um nas costas e outro na cabeça, ficando outro sem nenhum!
A maior alegria de todos era o "beijar do Menino", no final da missa, enquanto se cantavam cânticos populares como estes, que refletiam uma certa pobreza das nossas gentes:

Ó meu menino Jesus,
Boquinha de requeijão.
Dai-me da vossa merenda,
Que a tinha mãe não tem pão.

Ó meu menino Jesus,
Boquinha de  marmelada.
Dai-me da vossa merenda,
Que a minha mãe não tem nada.

Só tenho para oferecer-vos,
Uma alma que vos quer bem.
Prenda melhor não a tenho,
Tomai-a meu doce bem.

A ceia da "consoada" era sem excepção, composta por bacalhau "o fiel amigo", as couves de Natal (tronchudas) as batatas e por vezes um ovo, tudo cosido!
Dizia a nossa gente, que na noite de consoada, não se podia comer carne.
Também em algumas casas se comiam os bolos de bacalhau, não podendo faltar as filhós, ou filhózes como nos dizíamos.
Tudo isto enquanto no Terreiro ardia o quente madeiro, que para aí tinha sido trazido pela rapaziada e servia para aquecer o Menino e os mais corajosos, nestas noites frias de Inverno, enquanto se iam bebendo um vinhito ou uma "jeropia" (jeropiga) e comendo umas "filhózes" ou coscoréus.




Com pouco se celebrava, o nascimento do Menino Jesus!